Um olhar sensível sobre os caminhos da educação e do vínculo familiar
Muito se tem estudado e escrito sobre as questões que envolvem a parentalidade – como mãe e profissional – me debruço sobre esse tema incessantemente. Faço isso porque desejo ser uma mãe melhor, compreender mais profundamente meus filhos (mesmo que, às vezes, eu me esqueça de que também já fui criança e adolescente), e porque quero levar informações valiosas aos meus pacientes – e, se possível, ao mundo.
Como mencionei, meu interesse nesse tema vai além do campo profissional. Acredito que o mundo precisa compreender melhor o desenvolvimento humano – entender cada fase da vida e saber como lidar com ela de forma respeitosa e consciente. Afinal, tantas pessoas hoje sofrem com dores emocionais (e até físicas) que têm raízes em uma infância marcada por falta de afeto e incompreensão.
É comum ouvirmos que não existe uma receita pronta para “criar filhos” – e isso é verdade. No entanto, temos hoje à disposição recursos valiosos, acessíveis e baseados em evidências. Ou, pelo menos, deveriam ser acessíveis a todos. Acredito que o primeiro passo nesse caminho é a informação.
Como bem diz Alexander e Sandahl, (2017): “Crianças felizes se tornam adultos felizes, que criam crianças felizes, e assim por diante”. Pode até soar como frase tirada de um conto infantil, mas está longe de ser fantasia ou utopia. Esse ciclo é real e possível. Para isso, é preciso arregaçar as mangas, buscar conhecimento e, acima de tudo, estar disposto.

Existe um jeito certo de educar?
A verdade é que não há um único “jeito certo” de educar. O que existe são contextos, valores culturais, estilos familiares e escolhas conscientes. As diferenças são enormes — não apenas de uma família para outra, mas também entre países e culturas. Na Itália, por exemplo, é comum que as crianças jantem mais tarde. Isso está ligado à valorização da vida social e familiar, algo muito presente na cultura italiana. Já na Noruega, é prática recorrente deixar os bebês dormirem ao ar livre, mesmo com temperaturas baixas – inclusive negativas. Para muitos pais de outra parte do mundo, essa prática parece impensável. No entanto, há razões por trás dessas escolhas.
Esses exemplos nos mostram que a parentalidade está longe de ser uma fórmula pronta. Ela é, na verdade, um processo contínuo de escolhas – escolhas que devem estar alinhadas aos valores da família, às necessidades únicas de cada criança e ao contexto sociocultural em que vive.
Mais do que seguir regras fixas, educar é um exercício diário de consciência, presença e afeto. É buscar o equilíbrio delicado entre firmeza e acolhimento, entre oferecer segurança e permitir autonomia. É estar disponível — emocionalmente e fisicamente — para guiar, apoiar e crescer junto com os filhos.
O impacto do ambiente familiar no desenvolvimento infantil
Contudo, é fundamental estarmos atentos às nossas atitudes e refletirmos sobre quais consequências elas podem trazer para nossos filhos. O que orienta boa parte dessas atitudes é o chamado sistema de crenças parentais, também conhecido como etnoteorias. Trata-se de um conjunto organizado de ideias que guia as decisões, comportamentos e práticas cotidianas dos pais na criação dos filhos.
Essas crenças, muitas vezes inconscientes, são aquilo em que “nos agarramos” ao educar — o que acreditamos ser o certo, o melhor, o necessário. Embora tenham uma dimensão comum a todas as culturas, as etnoteorias são moldadas dentro de contextos culturais específicos, e é por isso que o que parece natural em uma sociedade pode ser visto como inadequado em outra.
Os valores e crenças parentais, combinados ao temperamento da criança, contribuem significativamente para a definição do estilo parental. Esse estilo é moldado pelas experiências que os pais viveram em sua própria família de origem, pelas suas características pessoais e pelo contexto sociocultural em que estão inseridos — que varia de acordo com as normas, valores e crenças compartilhadas em cada sociedade.
Atualmente, são reconhecidos quatro estilos parentais principais: autoritativo, autoritário, permissivo e negligente. É importante destacar que, na maioria das vezes, o estilo adotado não é uma escolha consciente. Muitos pais reproduzem padrões que foram aprendidos e internalizados ao longo da vida, sem perceber o quanto esses comportamentos influenciam o bem-estar emocional de seus filhos.
Estilos parentais: diversidade e influência no desenvolvimento
Estilo parental permissivo:

Esse estilo é caracterizado por uma postura evitativa diante de conflitos e pela ausência de correção diante de comportamentos inadequados. Há uma presença afetiva significativa, mas, em contrapartida, observa-se baixa supervisão e pouco controle parental. Pais permissivos tendem a agir mais como amigos do que como figuras de autoridade.
Filhos criados nesse contexto podem desenvolver traços de autonomia e autoestima. No entanto, alguns autores apontam que se trata de uma pseudoautonomia ou pseudoindependência, já que essas características nem sempre vêm acompanhadas da maturidade emocional necessária. A falta de limites e de supervisão pode favorecer o surgimento de comportamentos como impulsividade, hiperatividade, atitudes agressivas e, em alguns casos, maior vulnerabilidade ao uso de substâncias.
Estilo parental autoritativo:

Esse estilo é caracterizado por pais amorosos que mantêm um relacionamento próximo com os filhos, ao mesmo tempo em que exercem um controle firme e equilibrado. Esses pais estabelecem regras claras, incentivam o diálogo aberto e encorajam os filhos a refletirem sobre suas atitudes, permitindo que expressem suas opiniões livremente.
Os comportamentos dos pais autoritativos são fundamentados no respeito à individualidade de cada membro da família, promovendo autonomia e comunicação respeitosa. Eles assumem o controle quando necessário, mas evitam punições rígidas, preferindo explicar os motivos por trás de suas decisões e atitudes.
Esse estilo favorece o desenvolvimento da competência psicossocial, contribui para uma boa autoestima e saúde emocional dos filhos. Estudos indicam que crianças criadas por pais autoritativos apresentam menor incidência de uso de drogas, ideação suicida, autolesão e depressão, além de alcançar um alto desempenho acadêmico.
Estilo parental negligente:

Nesse estilo, os pais oferecem pouca ou nenhuma supervisão aos filhos, fazendo com que eles cresçam sem uma base segura e acolhedora. Esses pais geralmente estão mais focados em suas próprias necessidades e demonstram pouco interesse em proporcionar afeto ou acompanhar a vida das crianças.
Essa ausência de cuidado e envolvimento prejudica profundamente o desenvolvimento psicológico dos filhos, aumentando o risco de transtornos como depressão, ansiedade e somatização. Além disso, crianças criadas nesse contexto tendem a apresentar maior vulnerabilidade ao uso de substâncias ilícitas e frequentemente têm baixo rendimento escolar.
Estilo parental autoritário:

Pais autoritários adotam uma postura rígida e controladora, pouco abertos ao diálogo. Impõem regras de forma inflexível e frequentemente recorrem a punições, inclusive físicas, sob a justificativa de “educar”. A comunicação costuma ser unilateral: “pais mandam, filhos obedecem”.
Esse tipo de relacionamento pode fazer com que os filhos sintam medo, raiva e se retraíam socialmente. Além disso, está associado a um risco maior de desenvolvimento de depressão e uso de substâncias. Crianças criadas nesse contexto podem enfrentar dificuldades em estabelecer relações de confiança com outras pessoas, devido ao trauma emocional e físico causado justamente por aqueles que deveriam oferecer amor e segurança.
Estilo Parental | Características | Consequências para a Criança |
Autoritário | Alto controle, baixa afetividade. Regras rígidas, pouca escuta e diálogo. | Crianças obedientes, mas ansiosas, com baixa autoestima e medo de errar. |
Permissivo | Alta afetividade, baixo controle. Poucas regras, ausência de limites claros. | Crianças inseguras, com dificuldades para lidar com frustrações e regras sociais. |
Negligente | Baixo controle e baixa afetividade. Falta de envolvimento emocional e supervisão. | Crianças com maior risco de problemas emocionais, baixo rendimento escolar e dificuldade de socialização. |
Autoritativo | Alto controle e alta afetividade. Estabelece limites com empatia e diálogo. | Crianças seguras, autônomas, com boa autoestima e habilidades sociais desenvolvidas. |
A importância de refletir sobre as práticas educativas
O ambiente familiar pode ser uma fonte de saúde, crescimento e bem-estar para nossos filhos — ou, ao contrário, pode afetar negativamente seu desenvolvimento. Um dos órgãos mais diretamente impactados por essa dinâmica é o cérebro.
Relações familiares marcadas por violência e maus-tratos causam danos profundos. Quando uma criança vivencia uma situação que a amedronta, seu corpo reage imediatamente: os batimentos cardíacos aceleram, há um aumento na produção de cortisol (o hormônio do estresse), maior fluxo sanguíneo cerebral e uma sensação constante de vigilância e medo.
Se a criança encontra um adulto acolhedor nesse momento, ela pode aprender a lidar melhor com o estresse. Caso contrário, se essas situações de ameaça se repetem, as consequências podem ser graves: dificuldades de memória, problemas na regulação emocional e até o desenvolvimento de doenças relacionadas ao estresse no futuro.
Além disso, crianças que são subjugadas no ambiente familiar ou escolar tendem a apresentar alterações biológicas significativas, como disfunções cardiovasculares e hormonais. Essas mudanças intensificam o estresse e aumentam o risco de desenvolver doenças crônicas ao longo da vida. Quando submetidas a níveis elevados de violência, essa desorganização interna se agrava ainda mais, tornando o corpo e a mente um terreno fértil para adoecimentos diversos. A biologia da criança entra em colapso, refletindo o caos vivido em seu entorno.
Estudos indicam que o estilo parental atua como fator protetor contra diversos riscos, como abusos, uso de drogas e bullying. É comum que os pais transitem entre diferentes estilos, predominando geralmente um deles. Além disso, cada filho pode ser criado sob estilos parentais distintos, e cada um dos cuidadores pode adotar posturas diferentes.
Nosso objetivo não é rotular pais ou mães, mas sim compreender como cada um funciona para ajudar na reflexão sobre suas práticas educativas, promovendo um ambiente familiar mais saudável e favorável ao pleno desenvolvimento das crianças. Por isso, a parentalidade consciente nos convida a um olhar mais atento e empático: escutar nossos filhos de verdade, com presença e sem julgamentos; observar nossos próprios comportamentos e reações; refletir sobre a forma como exercemos autoridade e afeto. Trata-se de um caminho de autoconhecimento, em que crescemos junto com eles, revisitando nossas crenças, curando feridas antigas e buscando ser o adulto que gostaríamos de ter ao nosso lado quando éramos crianças.

Reflexões Práticas para Pais e Cuidadores:
- 🧠 Pense antes de reagir: Quando seu filho se comporta de forma desafiadora, você responde com gritos, silêncio ou diálogo? Qual dessas respostas promove mais conexão e aprendizado?
- 👂 Você realmente escuta seu filho? Escutar é mais do que ouvir palavras — é prestar atenção no que ele sente e precisa.
- ⏳ Você oferece tempo de qualidade? Momentos curtos, mas com presença real, são mais valiosos do que horas ao lado sem conexão.
- 🛑 Como você estabelece limites? Dizer “não” com firmeza, mas com empatia, ajuda seu filho a se sentir seguro.
- 🔄 Você repete padrões do passado? Reflita sobre como sua própria infância influencia sua maneira de educar.
- ❤️ Você se cuida emocionalmente? Pais saudáveis emocionalmente têm mais recursos para educar com consciência e amor.
Até a próxima! Um grande beijo e fiquem com Deus 😉
Fonte: Livro: Crianças Dinamarquesas. Jessica Alexander e Iben Sandahl.
O Mito do Normal. Gabro Maté com Daniel Maté.
Artigo: Estilos, Práticas ou Habilidades Parentais: Como Diferenciá-los? (Priscila Lawrenz, Luísa Cortelletti Zeni, Thaís JuryArnoud, Laura Foschiera e Luísa Habigzang)
Estilos Parentais em Famílias com Filhos em Idade Escolar (Denise Falcke, Larissa Wolff & Victor Steigleder).