Filhos em Perigo: O Preço da Falta de Diálogo e Supervisão

Quando eu era adolescente, ir a uma festa exigia um verdadeiro “questionário” dos meus pais. Minha mãe liderava a investigação: “Vai com quem?”, “Quem vai estar lá?”, “Os pais vão estar presentes?”. Meu pai, mais contido, apenas acompanhava. Hoje, como mãe, repito o mesmo processo com meus filhos – mas com uma vantagem: posso contar com a tecnologia para confirmar as informações, rastrear localizações e manter contato em tempo real.

Atualmente, muitos adultos têm questionado sobre o que está acontecendo com essa geração. A cada dia, surgem novos comportamentos entre os jovens que nos deixam perplexos — e, acredite, talvez não tenhamos visto nem a metade do que está por vir. 

“Brincadeira” ou abuso coletivo?

O assunto que tem gerado um grande impacto envolve uma menina de apenas 13 anos que engravidou após participar de uma “brincadeira” chamada roleta russa. Até então, o que eu conhecia como roleta russa era um jogo extremamente perigoso com arma de fogo: coloca-se uma única bala no tambor do revólver, gira-se aleatoriamente e, sem saber onde está a munição, aponta-se a arma para si ou para outra pessoa e puxa o gatilho.

Mas agora, esse nome ganhou um significado completamente diferente — e ainda mais alarmante. 

O termo passou a descrever práticas sexuais grupais, em que adolescentes se expõem a riscos sérios e consequências irreversíveis. Uma distorção assustadora da realidade, que exige de todos nós — pais, educadores, profissionais da saúde e da assistência social — um olhar atento, empático e, acima de tudo, responsável.

A prática consiste nos meninos sentarem com o órgão sexual ereto, enquanto as meninas passam de um a um tendo relação sexual. O último a ejacular vence a “brincadeira”. Lembrando que os meninos não usam preservativo. A adolescente citada também não sabe quem é o pai. A pergunta que não quer calar: Que festa era essa que não havia adultos? 

Unsplash Jeff Tumale

Sexo, riscos e consequências

Por mais que o tema pareça recente, festas como essas – com comportamentos de risco e ausência de supervisão – não são novidades. O que mudou foi a intensidade, a exposição e a facilidade com que os jovens se organizam e compartilham essas experiências. Por isso, o diálogo contínuo e a presença ativa dos pais nunca foram tão necessários.

A prática conhecida como “roleta russa do sexo” teve origem em São Francisco, nos Estados Unidos. Nessas festas, os participantes trocam de parceiros repetidas vezes, correndo o risco de serem infectados por doenças sexualmente transmissíveis, inclusive HIV. Embora sejam eventos para adultos — e se pressuponha que conheçam os riscos envolvidos — a falta de qualquer tipo de proteção eleva drasticamente as chances de contágio.

Cérebro adolescente

Adolescentes ainda têm o cérebro em pleno desenvolvimento, especialmente o córtex pré-frontal — a última região a amadurecer. É essa área responsável pelas funções executivas como: tomada de decisão, autocontrole, planejamento, pensamento crítico, empatia, resolução de problemas e regulação de emoções, riscos e impulsos. Estima-se que o córtex pré-frontal só atinja seu desenvolvimento completo por volta dos 25 anos de idade. Saber disso não significa “autorizar” comportamentos inadequados, mas como sugere Daniel Siegel, devemos “emprestar nosso cérebro” aos nossos filhos.

Compreender o funcionamento cerebral auxilia os pais a ajustarem suas expectativas em relação aos filhos. Adolescentes não são mais crianças, mas também estão longe de ser adultos plenamente capacitados para tomar todas as decisões de forma autônoma — e a  neurociência confirma isso. 

Precisamos estar presentes, dialogar e orientar. Não se trata de culpar os pais, mas de reconhecer obstáculos reais: muitas crianças têm acesso às redes sociais, enquanto seus responsáveis, sobrecarregados pela rotina, acabam se distanciando. Mesmo quando há tempo disponível, investir na escuta e no convívio familiar pode ser desafiador. Contudo, diante de situações críticas — como gravidez na adolescência, uso de substâncias ou transtornos mentais — torna-se imprescindível “fabricar” esse tempo e priorizar o cuidado emocional dos jovens.

Infância em risco

Não são apenas os adolescentes que precisam de supervisão online. Há casos de crianças menores de 12 anos que estão “oferecendo serviços” virtuais em jogos como o Roblox, em grupos conhecidos como “Primas do Job”. Nessa “brincadeira”, avatares infantis aparecem com trajes sensuais, simulam consumo de álcool e participam de interações de cunho sexual (como “quantas sentadas aguentam” e “cair de boca depois de uma final feliz”), tudo em troca de robux — a moeda virtual do jogo. Embora apresentado como uma “brincadeira”, esse tipo de jogo abre portas para a exploração e o abuso sexual infantil, com graves riscos ao desenvolvimento emocional dessas crianças.

Unsplash Oberon Copeland @veryinformed.com

Informação é proteção

Embora muitos pais sentem constrangimento ao falar sobre sexualidade, é nossa responsabilidade abordar o tema de forma clara e adequada – antes que eles aprendam por fontes distorcidas. A sexualidade nunca deve ser tratada como tabu; se não somos nós a conduzir essa conversa, o mundo o fará por nós. 

Recentemente recebi um vídeo de uma festa de adolescentes em que todos estavam visivelmente embriagados. Era um encontro dentro de casa — mas onde estavam os pais ou responsáveis? Como permitir festas sem supervisão?

Esses episódios reforçam a importância de manter um diálogo aberto e transparente, uma supervisão atenta e limites bem definidos. Só assim poderemos proteger nossos filhos dos riscos físicos, emocionais e legais que essas “festas” representam.

Não podemos controlar totalmente o acesso dos adolescentes a drogas ou outras substâncias, mas podemos muni-los com informações e principalmente manter portas abertas para uma comunicação baseada em respeito, sem julgamentos ou punições. Enquanto alguns experimentam por curiosidade, muitos o fazem para anestesiar dores profundas. Por isso, é fundamental cultivar um vínculo de amor e confiança, que os encoraje a buscar ajuda e a compartilhar suas angústias.

Além de monitorar a atividade dos filhos na internet, é fundamental ativar as configurações de segurança e privacidade disponíveis. Essas experiências podem gerar danos muitas vezes irreparáveis, pois crianças e adolescentes ainda não têm maturidade para lidar com certos temas  — a sexualidade é um deles. Não é preciso antecipar todas as conversas; haverá momento adequado para cada assunto. Embora percebamos um “amadurecimento” precoce, é essencial que aprendam sobre sexo de forma responsável e orientada pelos pais, e não por meio de informações distorcidas que circulam entre os pares.

O tema é urgente e não pode deixar para depois. Vivemos em um momento de mudança de valores, em que a educação parental precisa acompanhar essas transformações. Não se trata de replicar integralmente o modelo dos nossos pais — que, em muitos casos, falhou nos métodos, mas não nos princípios fundamentais.

Unsplash Sofatutor

A urgência do diálogo em casa

O diálogo com nossos filhos deve ser iniciado desde os primeiros anos de vida e mantido continuamente, ajustando-se às demandas de cada fase. Para isso, é fundamental conhecer o desenvolvimento da criança e do adolescente: a forma de se comunicar com uma criança pequena difere da abordagem necessária para um adolescente.

Só assim poderemos ensinar com sensibilidade e oferecer o suporte emocional adequado ao amadurecimento de nossos filhos.

Portanto pais, conversem abertamente, orientem e ensinem; sejam amorosos e presentes, mas também firmes quando necessário, e sempre respeitosos. Não permitam que o mundo molde nossos filhos sem o cuidado, o amor e a proteção que só nós podemos oferecer.

Pexels Julia M Cameron

Beijos.

Fiquem com Deus.

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