Entrevista com a Dra. Salete Arenales – “A adolescência é uma fase de descobertas, desafios e transformações”.

Hoje tenho a alegria de compartilhar uma entrevista muito especial com a psicóloga e pesquisadora Dra. Salete Arenales. Com mais de 30 anos de experiência clínica, sua trajetória é marcada por dedicação ao estudo da adolescência. Dra. Salete ministra cursos online voltados para pais e profissionais que atuam com adolescentes, oferecendo reflexões profundas e práticas valiosas. Tive o privilégio de participar de um desses cursos e posso afirmar: sua forma de ensinar é transformadora. Além disso, recebi a honra de tê-la escrevendo, com todo carinho, o prefácio do meu livro: Filhos: Nosso amor mais lindo. Uma profissional brilhante, humana e sensível, que compartilha seus conhecimentos com generosidade. Sua presença inspira confiança, acolhimento e sabedoria.

1. Como os pais podem fortalecer o vínculo com os filhos adolescentes, mesmo diante dos conflitos naturais da idade?

Nestes mais de 30 anos atendendo adolescentes e pais de adolescentes constato que o acompanhamento do dia a dia do adolescente por parte dos pais ainda é essencial em suas vidas.
O adolescente perdoa as falhas humanas dos pais, mas a ausência é algo que os fere profundamente. O que seria ausência: perceber que eles (adolescentes) não compõem o cotidiano, as preocupações destes pais e, portanto, estes pais possuem tempo para tudo: trabalhar muito, fazer unhas, sair para tomar uma cerveja com amigos, etc, mas o tempo com filho é sempre limitado e pleno de muitas cobranças somente.
O vínculo se fortalece quando os pais se mantêm presentes, mesmo nos momentos de tensão. O adolescente precisa perceber que os pais “suportam” e dão conta de administrar os conflitos sem um afastamento especialmente por este motivo.
Porém, do século XIX para o século XX (tempo não tão distante assim) paulatinamente estamos perdendo espaços de convivência (como as refeições juntos) e estes pequenos espaços, que parecem ser inclusive sem nenhuma importância para o adolescente, é onde se cria um alicerce seguro para ele.
Irão acontecer conflitos nestes espaços? Com certeza, mas é essencial que os pais entendam que conflitos não é sinal de falta de vínculo, de amor por eles, ou de desprezo, mas sim de crescimento e evolução do filho adolescente.

2. Quais atitudes dos pais mais afastam os adolescentes emocionalmente — mesmo quando a intenção é proteger?

Escutando o adolescente na clínica, elegeria duas principais atitudes que mais afastam os pais da vida deles.
A primeira é a crítica em excesso, a cobranças e correções sem trégua, o tempo todo que estão ao lado do adolescente.
Sim, pais devem apontar os erros, as falhas do adolescente. Mas, na prática, a crítica constante funciona como uma cobrança que desgasta o vínculo e o torna insuportável. Aliás, nenhum relacionamento suporta viver sob avaliação permanente, e com o adolescente não seria diferente.
Ele precisa de pausas, de trégua, de momentos em que é visto também pelo que acerta — e não apenas pelo que falta.
A orientação dos pais deve ser equilibrada com tempo para piadas, bate papos furados, rir juntos de vídeos do Instagram, ou qualquer outra atividade que oferta um botão de “pause” nas cobranças dos pais.
Um outro ponto que escuto dos adolescentes como algo que os fere muito são as comparações, seja com os primos de idade próximas, outros amigos ou inclusive com a própria época em que eram adolescentes.

Pexels – Kindel Media

3. O que os pais devem evitar dizer quando o filho está triste, ansioso ou agressivo?

Frases que minimizam ou invalidam, como:
• “Isso não é nada.”
• “Na sua idade eu já trabalhava/estudava muito mais.”
• “Você está exagerando.”
Essas falas geram somente afastamento e não o fortalecimento do vínculo. Criam muros e não pontes entre as duas gerações.
Algumas vezes frases como estas são “automáticas” no vocabulário de nós adultos. Mas temos que nos policiar para evita-las especialmente quando constatamos a reação negativa por parte do adolescente após comentários como estes.

4. Como conversar com os filhos sobre autoestima em tempos de redes sociais e comparações constantes?

Entendo que mais do que nunca, conversas sobre redes sociais, devem compor a pauta de temas com o adolescente.
Em primeiro lugar é importante que os pais entendam que o adolescente não irá perceber algumas armadilhas das redes sociais sozinho, por ele mesmo, precisa de um adulto que o ajude a observar o que, por detrás, tem muito estudo e táticas para roubar o que temos de mais precioso: o nosso tempo.
São os adultos que devem mostrar o que não se descobre sozinho, principalmente durante a adolescência:

  • Que as redes sociais não refletem a vida real: são recortes, muitas vezes editados.
  • Que não devemos nos comparar com outros mas sim com a nossa própria versão de nós mesmos.
  • Diferenciar o que é inspiração do que é comparação nociva, entre outros temas.
    Como fazer isto? Fazendo da forma e nos momentos mais descontraídos. Esqueça longos e belos discursos e opte por bate papos informais incluindo relatos sobre o que você descobriu na sua vida pessoal sobre redes sociais.
Pexels – Kindel Media

5. Existe uma forma saudável de monitorar o uso de redes sociais sem invadir a privacidade?

O ideal é estabelecer acordos claros sobre: horários, limites de tempo e conteúdo que são aceitáveis.
Porém, liberdade e privacidade é uma conquista. Caso você como pai ou mãe não se sentir seguro, terá não apenas o direito, mas o dever de realizar cortes até que novamente o uso seja ampliado.
Temos que ter muita clareza que o uso indevido das redes sociais causa de prejuízos na vida dos adolescentes, assim, acompanhar de perto, é algo que essencial.

6. Como lidar com irmãos adolescentes que vivem em conflito? O que fazer quando um filho tem ciúmes do outro?

Conflitos entre irmãos são uma parte natural do crescimento e do desenvolvimento. No entanto, a forma como os pais lidam com essas situações pode ter um impacto duradouro.
O psicanalista Ivan Capelatto destaca um ponto crucial: os pais não devem se posicionar como juízes em brigas de irmãos. Ao tentar determinar quem está certo ou errado, os pais inevitavelmente tomam o partido de um filho, o que pode gerar ressentimento e deixar marcas emocionais. A criança que sente que foi injustiçada pode se sentir desvalorizada, e a que foi “vencedora” pode não aprender a resolver conflitos de forma autônoma.
O papel dos pais, segundo Capelatto, jamais poderá ser um juiz. A intervenção deve ser mínima e focada em ajudar os filhos a encontrar uma solução por conta própria nos conflitos.
Ao adotar essa postura, você ensina seus filhos a negociar, a se expressarem e, mais importante, a valorizar o relacionamento entre eles, construindo uma base de respeito e companheirismo para toda a vida.
No caso do ciúmes, é importante reservar momentos individuais com cada filho, para que todos se sintam exclusivos, vistos e valorizados por você.

7. O que é mais importante: acompanhar de perto ou dar autonomia? Como equilibrar essa balança?

Os dois são igualmente importantes. O acompanhamento mostra cuidado e segurança; a autonomia prepara para a vida adulta.
Adolescente precisa de “colo” e “empurrões” e é essencial alternar estes dois “movimentos” no relacionamento com o filho nesta faixa etária.

8. Qual o maior erro que os pais cometem com filhos adolescentes sem perceber?

Imaginar que o adolescente que já tem 2 metros de altura, barba na cara ou a menina formada que inclusive já tem vida sexual, não precisa mais deles na função de pai e mãe.

Pexels – Matheus Rodrigues

9. Que conselho você daria para os pais que desejam ser mais presentes emocionalmente, mas não sabem por onde começar?

Comece pelo simples: esteja e mostre indícios de que está realmente disponível.
Isso significa desligar o celular durante uma conversa e olhar no olho do filho adolescente. Perguntar como foi o dia, sobre o namoro de algum amigo, de forma genuína e sem pressa para ouvir a resposta.
E, procure criar, mesmo que de forma forçada no início, momentos juntos para “comer um cachorro quente” ou seja, mergulhe no mundo dele, do jeito e formato dele.

10. Fale um pouco como foi ser mãe de adolescente, já que a sra. já passou por essa fase.

Ser mãe de adolescentes não é tarefa, na verdade, nada simples — e eu não fiquei ilesa dos problemas e desafios típicos dessa fase. Foram muitas noites mal dormidas, ansiosa com o que poderia estar “rolando” nos rolês, levantando de madrugada.
Tive as preocupações de toda mãe: medo do envolvimento com bebida, drogas, cigarros, cigarros eletrônicos, amizades complicadas… e, claro, as intermináveis discussões sobre tempo de celular e outras telas.
Eu, para o azar deles, pegava algumas coisas no ar, mas confesso que em várias fui enganada direitinho.
Ou seja, minha casa foi uma típica casa de adolescentes, cheia de histórias, algumas muito tensas mas que hoje, com eles já adultos, rendem boas risadas as histórias que, “uffa!”, ficaram para trás.

Pexels – Kampus Production

Até a próxima! Um grande beijo e fiquem com Deus 😉.

Dra. Salete Arenales
Psicóloga clínica e pesquisadora
Doutorado (realizado na UNESP/ USP) com foco no adolescente em psicoterapia.
Ministra cursos online para pais e profissionais que atendem adolescentes.
Instagram e YouTube: @arenalesbooks

Deixe um comentário