Reflexões a Partir do Filme “Um Filho”

Vivemos em uma época em que o divórcio se tornou comum. No entanto, por mais que ele faça parte da realidade de muitas famílias, os seus impactos emocionais continuam sendo profundos — especialmente quando há filhos envolvidos. O filme Um Filho (The Son, 2022), dirigido por Florian Zeller, nos convida a uma reflexão profunda sobre os efeitos emocionais do divórcio

Quando o divórcio é mal digerido

A história começa com um casal já separado: Peter (Hugh Jackman) trocou sua ex-esposa Kate (Laura Dern) por uma mulher mais jovem, Beth (Vanessa Kirby), com quem tem um bebê. Tudo parece estar seguindo seu curso até que Nicholas (Zen McGrath), filho do primeiro casamento, decide ir morar com o pai após apresentar recusa em frequentar a escola.

O que parece ser apenas uma “fase difícil” da adolescência logo revela algo mais profundo: Nicholas está em sofrimento.  Ele carrega dores profundas, expressas em comportamentos como isolamento, mentiras, evasão escolar, alterações bruscas de humor, autolesão e crises de choro aparentemente “sem motivo”. Esses sinais nos alertam para algo mais sério: a presença de um quadro depressivo. Em uma cena marcante, ele está dançando com a família e, em segundos, se desconecta completamente — um retrato fiel de quem luta silenciosamente com a depressão.

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Heranças emocionais que se repetem

Outro aspecto poderoso do filme é o relacionamento entre Peter e seu próprio pai (vivido pelo maravilhoso Anthony Hopkins). Em um único diálogo, vemos uma herança emocional marcada pela frieza, pela ausência e pela priorização do trabalho

Peter tenta ser um pai melhor, mas está preso aos próprios traumas. E isso mostra como as dores emocionais podem atravessar gerações quando não são elaboradas conscientemente. A repetição de padrões familiares, mesmo indesejados, é um fenômeno comum — e perigoso.

“Um ambiente suficientemente bom”, dito por Donald Winnicott é essencial para o desenvolvimento saudável de uma criança. Quando esse ambiente se rompe, como num divórcio mal conduzido, os danos tendem a ser profundos.

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Separar-se exige mais do que coragem

Separar-se, de fato, exige coragem. Mas exige também responsabilidade emocional. A fala de Peter, num momento de desespero, quando justifica a separação dizendo que “tinha o direito de se apaixonar” e que só não se separou antes “por causa do filho”, evidencia a confusão entre desejo e responsabilidade parental. Não se trata de culpar os pais por se separarem, mas sim de refletir sobre o modo como o divórcio é vivido e comunicado aos filhos. Segundo John Bowlby, criador da Teoria do Apego, a segurança emocional da criança depende de vínculos consistentes. Quando esses vínculos são rompidos ou instáveis, o desenvolvimento emocional pode ser seriamente comprometido.

Muitos pais acreditam que, após comunicar o divórcio, o mais difícil já passou. Mas o divórcio não termina com a assinatura de papéis — ele se desenrola em camadas, e impacta diretamente o bem-estar emocional dos filhos

É por isso que o divórcio não pode ser tratado como um simples fim de relacionamento conjugal. Ele precisa ser olhado como uma reestruturação familiar, que deve incluir diálogo, escuta, acompanhamento psicológico e, acima de tudo, presença afetiva constante dos adultos.

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Amor não basta se não houver escuta

Um Filho é um lembrete forte e necessário: amar um filho não basta se não há escuta, presença e responsabilidade afetiva. O amor precisa ser traduzido em cuidado diário, em olhar atento, com conexão verdadeira.

A forma como conduzimos o divórcio não define apenas o futuro da relação entre os ex-cônjuges, mas marca profundamente a trajetória emocional dos filhos.

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Um grito silencioso: o que Um Filho quer nos dizer

O filme Um Filho é um grito silencioso. Separar-se não é apenas uma decisão conjugal. Envolve camadas afetivas profundas, que atravessam o tempo e a estrutura emocional de toda a família. A criança ou o adolescente precisa ser visto, escutado, acompanhado e acolhido — antes, durante e depois da separação. Infelizmente, muitos pais acreditam que o mais difícil é comunicar o divórcio. Mas, depois disso, seguem com suas vidas, enquanto os filhos permanecem perdidos entre os escombros emocionais que restaram.

No filme, não acompanhamos apenas o sofrimento de um adolescente tentando sobreviver entre a solidão e a incompreensão, mas também o desespero de um pai e de uma mãe em frangalhos. A cena em que Nicholas, após uma tentativa de suicídio, é internado e diagnosticado com depressão grave, é profundamente tocante. Mesmo com a recomendação médica, os pais cedem aos pedidos desesperados do filho e decidem levá-lo de volta para casa. É uma decisão marcada pela dor, pela dúvida e pelo impotência — mas também pelo amor. E aqui não cabe julgamento. O sofrimento deles é real, mas, infelizmente, o acolhimento chegou tarde demais.

Essa é uma das mensagens mais potentes do filme: amor, por si só, não é suficiente. É preciso também presença, escuta, responsabilidade e ação consciente.

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Entre silêncios e marcas visíveis

O longa é repleto de mensagens sutis e simbólicas. Em muitos momentos, nos colocamos no lugar dessa mãe, traída e trocada por outra mulher mais jovem. Seu ressentimento e sua dor são visíveis. Quem não se sentiria abandonada, humilhada e sobrecarregada, tendo que lidar sozinha com o sofrimento emocional do filho? Quando ela não sabe mais o que fazer, procura o pai para intervir. Mas por que, muitas vezes, os pais só se unem novamente quando algo grave já está acontecendo com os filhos?

Nicholas vinha dando sinais de que não estava bem. Não eram apenas as faltas na escola. Eram marcas nos braços, autolesões que, sob o olhar de um pai desinformado sobre saúde mental, foram tratadas com ordens inúteis como:

“Eu te proíbo de cortar os pulsos!”.

Uma frase dura, que revela ignorância emocional — e que infelizmente ainda é comum em muitos lares. Mas acreditem: há sempre algo por trás dessas marcas. Elas não são um “drama”, — é um pedido de ajuda. E diante disso, não adianta proibir, é preciso compreender. Entender o que o adolescente está vivendo, sentir com ele, escutá-lo de verdade.

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Estejam atentos, sempre

Após um divórcio, os filhos precisam ser observados com atenção redobrada. Mudanças bruscas de comportamento não podem ser ignoradas. Preste atenção às notas escolares, amizades, sono, alimentação, regressões como xixi na cama (mesmo em adolescentes), ao discurso, ao silêncio, à apatia e aos pequenos sinais que gritam.

O filme nos lembra, com força e sensibilidade, que os filhos não são “resilientes por natureza”. Eles precisam de base, cuidado, acompanhamento. E mais do que tudo: precisam que os adultos ao redor saibam amar com responsabilidade emocional.

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Para refletir...

💭Como tenho conduzido minha separação, pensando no bem-estar emocional dos meus filhos?

💭Em que momentos escuto de verdade o que meu filho(a) está tentando me dizer — mesmo quando ele(a) não usa palavras?

💭Estou oferecendo estabilidade emocional ou apenas presença física?

💭Que heranças emocionais carrego da minha relação com meus pais e, sem perceber, posso estar repetindo com meus filhos?

💭O que posso fazer hoje, de forma simples e sincera, para fortalecer o vínculo com meu filho(a)?

💭Já considerei buscar apoio psicológico para mim, como adulto, para lidar melhor com as dores que carrego e não repassar aos meus filhos(as)?

💭Será que tenho confundido amor com controle, ou presença com distração?

Minha gratidão à querida Glenda, que com sensibilidade me indicou esse filme tão tocante e necessário.

Até a próxima! Um grande beijo e fiquem com Deus 😉

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