Hoje tenho a alegria de compartilhar com vocês uma conversa muito especial com uma profissional que admiro e com quem já tive a honra de trabalhar em uma Unidade de Acolhimento. A assistente social, Natalialine Rebouças, compartilhou com sensibilidade e profundidade sua experiência na linha de frente do cuidado com famílias, crianças e adolescentes. Nesta entrevista, falamos sobre os desafios sociais que muitas vezes passam despercebidos, a importância da escuta ativa, e o papel da rede de apoio no fortalecimento de vínculos familiares. Uma leitura necessária para todos que desejam compreender melhor as questões sociais que atravessam o cotidiano das famílias brasileiras — e, principalmente, como podemos acolher, apoiar e transformar.
1. Quais são os principais motivos que levam crianças e adolescentes a serem acolhidos em uma unidade de acolhimento?
Os principais motivos que levam o acolhimento hoje é a negligência familiar.
2. De que forma a negligência e a violência familiar impactam a saúde mental e o bem-estar das crianças acolhidas?
Eles ficam vulneráveis emocionalmente e carregam traumas daquilo que já vivenciaram. Cada acolhido é sujeito da própria história e traz consigo as marcas do abandono, rejeição, ameaças, violências, negligências, o que os deixam inseguros, com dificuldade de convivência, sem projeção para o futuro e muitos não sabem lidar com os sentimentos, com quadros de ansiedade até ideação suicida. Por isso, necessitando de acompanhamento psicológico e em alguns casos, acompanhamento psiquiátrico. Fora os impactos no desenvolvimento cognitivo, como dificuldade na fala e aprendizagem, entre outros.
3. Em quais condições a reintegração familiar é segura e benéfica para a criança?
A reintegração só é segura quando a família compreende seu papel e assume a responsabilidade de fato cuidar, oferecer um lar seguro e com afeto. Sabemos que não há uma família perfeita, mas dentro daquele contexto familiar, o lar deve ser o lugar do cuidado. E nunca culpabilizar a criança/adolescente da institucionalização, afinal são crianças e adolescentes que ainda estão em formação.
4. Quais estratégias podem ser utilizadas para fortalecer os laços entre as crianças acolhidas e seus familiares, quando possível?
A gente busca estimular as visitas, as ligações e mensagens via whatsApp. Trazer a memória algo que seja relevante, importante e que conecte a criança/adolescente a sua família natural ou extensa. Dialogar como a demonstração de afeto é importante para o outro, como cuidar de forma segura e sobre qual a função de cada um dentro da família. Encaminhamos a família para que tenha acompanhamento psicológico assim como a criança/adolescente institucionalizado (a) para ajudar nesse processo.

5. Como preparar as famílias para reassumirem o cuidado das crianças/adolescentes após o período de acolhimento?
A rede de proteção a criança/adolescente possui esse papel de orientação sobre o cuidado, contribuir para que a família supere a vulnerabilidade. O acompanhamento da rede de proteção contínuo é necessário, percebendo quais as necessidades daquela família.
6. De que maneira a unidade de acolhimento pode suprir, ainda que temporariamente, a ausência de uma estrutura familiar?
Acredito que ouvir, validar os sentimentos de cada um deles, se mostrar interessado para contribuir para aquele período de acolhimento é extremamente importante para eles. Na maioria das vezes, os sentimentos dos acolhidos foram esquecidos, ignorados, e só o fato de validar o que ele/ela está sentindo, faz avançar no fortalecimento da sua identidade.
7. Quais são os impactos mais comuns da ausência familiar na vida das crianças e adolescentes acolhidos?
Eles se sentem abandonados, inseguros, rejeitados. Isso dificulta na criação de vínculos com outras pessoas, inclusive na vida adulta. Muitos possuem a autoimagem bem distorcida, ficam desconfiados e respondem em sua maioria de forma reativa.
8. Como essas crianças lidam com a separação da família?
Cada criança/adolescente lida de formas diferentes, alguns verbalizam sua tristeza; outros se isolam; outros demonstram através da violência física e verbal.
9. Quais são os principais desafios enfrentados pelas crianças durante o acolhimento?
Acredito que o afastamento da família seja o primeiro desafio. Depois está dentro de uma instituição, com outros acolhidos (a), sob os cuidados de pessoas desconhecidas. Outro ponto importante, é a questão da rotina, um hábito que muitos não possuíam.
10. Que mensagem você deixaria para os pais sobre a importância do vínculo familiar?
Com a experiência dentro de uma unidade de acolhimento, me fez perceber que todas as nossas relações perpassam a relação familiar. O quanto os vínculos familiares saudáveis interferem diretamente no nosso hoje e certamente no nosso futuro. Da mesma forma com os vínculos familiares fragilizados ou inexistentes. Percebo o quanto temos que avançar ainda sobre trabalho com família, inclusive nas escolas. Maneiras mais didáticas de como cuidar, acompanhamento psicológico. Afinal, há muitos casos em que os responsáveis reproduziram o que viveram e como quebrar esse ciclo. Sim, é um desafio, mas é possível avançarmos.
11. Sendo mãe, como você se sente ao trabalhar com crianças e adolescentes em situação de acolhimento?
É desafiador, repenso todos os dias sobre o meu papel social como mãe, mulher e como profissional.

Até a próxima! Um grande beijo e fiquem com Deus 😉
Natalialine da Silva Matos Rebouças
Assistente social
Pós-graduada em Seguridade Social e Políticas Públicas
Especialização: Direitos dos vulneráveis
Atuação: Assistente Social da Unidade de Acolhimento Regional